Trabalho e Inovação

Sendo o trabalho uma actividade tão antiga quanto a humanidade, e a inovação um sinónimo de mudança, fica claro quão interligados estão estes conceitos.

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A mudança, tal como o trabalho, são constantes na sociedade e nas organizações. A capacidade de mudança testemunha a vitalidade e o dinamismo dos conjuntos humanos organizados, enquanto as instituições procuram assegurar a estabilidade e a continuidade, necessárias ao seu funcionamento.

 

Neste jogo de equilíbrios, mudança versus estabilidade, há processos sociais que conduzem a mudanças desejadas e/ou planeadas, valorizadas como progresso. Mas, ocorrem também processos de mudança, dos quais resultam problemas sociais.

A análise da relação entre inovação e trabalho, com vista a conhecer os efeitos da primeira sobre o segundo, tem produzido argumentos contraditórios. Por um lado, reconhecem-se as vantagens da inovação no trabalho e, por outro, evidenciam-se as suas ameaças, sendo uma das mais temidas o desemprego.

Esta discussão intensificou-se aos primeiros sinais de crise e de obsolescência do modelo económico que vigorou nos “30 anos gloriosos”. Até meados dos anos 1970, o modelo de regulação taylorista/fordista que acompanhou a industrialização, gozou de um ambiente estável e previsível, prometia o pleno emprego, e os conceitos de trabalho e emprego tornaram-se sinónimos.

Perante um novo cenário concorrencial global, iniciaram-se processos de mudança organizacional, nos domínios técnico, económico e sócio-organizacional. As soluções de downsizing adoptadas, possíveis graças às NTIC, visaram tornar as empresas mais flexíveis, de modo a operarem eficazmente num ambiente instável e incerto. Foi inevitável que a busca pela flexibilidade se estendesse ao trabalho, com prejuízo da estabilidade da relação trabalho/emprego, anteriormente vivida.

Na economia da flexibilidade, a inovação ganha o estatuto de via principal, senão única, para conduzir as empresas à eficácia económica. Nas organizações, e nos contextos de trabalho em particular, a inovação não se esgota no desenvolvimento tecnológico. A inovação deve ser entendida de forma pluridimensional e integrada, nomeadamente: i) inovação dos produtos e dos serviços; ii) inovação dos processos de produção; iii) inovação da organização social e iv) mudança das mentalidades e dos comportamentos.

Do ponto de vista sociológico, a empresa é um sistema técnico, social e humano, logo, o investimento material (na inovação tecnológica) deverá andar a par do investimento imaterial (na inovação organizacional e na inovação social). Ao nível organizacional sugere-se a adopção de estruturas orgânicas, integrativas e adhocráticas, facilitadoras da inovação, e processos de funcionamento que privilegiem a circulação da informação, a transparência da tomada de decisão e a instauração de um clima de confiança. Ao nível social, recomenda-se a valorização das pessoas, da cidadania e da articulação entre a empresa e o meio.

É indiscutível que a inovação tecnológica teve consequências directas no trabalho, observáveis na redução do número de trabalhadores, na alteração dos conteúdos funcionais, na modificação da estrutura de qualificações, na adopção de novas formas de organização do trabalho, nas modalidades de prestação de trabalho, etc. É provavelmente por este motivo que frequentemente se imputa à tecnologia a responsabilidade pelo aumento do desemprego e pela redução das oportunidades de trabalho. Mas, é também por via da inovação tecnológica – entre a revolução industrial e a desindustrialização -que o declínio da indústria é acompanhado do aumento da relevância do sector dos serviços e da informação.

Na segunda metade do século XX, aumentou a procura de todo o tipo de serviços e este comportamento dos consumidores incentivou a expansão deste sector (e.g. educação, saúde, serviços pessoais, sociais e, mais recentemente, os sectores financeiros, imobiliário ou turismo e hospitalidade). Consequentemente, as possibilidades de emprego aumentaram significativamente e, nalguns casos, estes empregos são considerados mais atrativos do que os da indústria, porque supostamente conferem mais status social.

No decurso do processo de expansão do sector dos serviços, proliferaram muitos tipos de emprego, especialmente destinados aos jovens. Os milhões de empregos criados na indústria do fast-food ou nos call centres, são ilustrativos desta situação. Neste contexto, o problema social reside nas condições de precariedade e de insegurança em que o trabalho é exercido, e não na ausência de trabalho.

Sem fazer fé absoluta nos rankings, mas reconhecendo a sua utilidade ilustrativa, questiona-se: não são as empresas tecnológicas eleitas pelos próprios trabalhadores como sendo “as melhores para trabalhar”? Certamente que entre os critérios para esta eleição, se encontram, para além da capacidade tecnológica, a cultura organizacional e a organização social. Nestes casos, o alvo da inovação são as próprias organizações, transitando-se assim de um quadro em que a inovação tecnológica ocorria no seio de organizações sociais estáveis, para uma situação em que a inovação tecnológica ocorre no seio de organizações sociais em mudança, o que por si só também é uma inovação.

Tal como a mudança social, a inovação tecnológica é imparável e inevitável. Em alternativa às teses do determinismo tecnológico e do fim do trabalho, contrapõe-se uma visão optimista sobre a construção da relação inovação/trabalho. Segundo esta visão, a quantidade de trabalho perdido, por via da inovação tecnológica, será progressivamente compensada pelo aumento da qualidade do trabalho e no trabalho. Os ganhos seriam visíveis a vários níveis, nomeadamente: em conhecimento, qualificação, remuneração, responsabilidade, autonomia, produtividade, satisfação e realização pessoal e profissional, entre outros.

A tecnologia manterá a função de auxiliar o trabalhador a fazer o seu trabalho, e não a de o substituir. Apesar das mudanças que continuarão a afectar o trabalho, este far-se-á valer da sua força institucional e permanecerá um valor em si mesmo, um factor socializador, dignificante e de integração social.

Hoje como no futuro, a probabilidade de as ameaças ao trabalho provirem da inovação tecnologia são menores das que possam resultar de decisões políticas e económicas, num quadro mental que privilegie visões economicista e de curto prazo. Face à incapacidade institucional para gerar emprego, responsabiliza-se o individuo pela necessidade de criar do seu próprio emprego e, em uníssono, apela-se à capacidade inovadora e empreendedora, a bem da economia, das empresas e do emprego.

* Artigo escrito segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 Partilhar:

Maria Manuel Serrano

Publicado em 21.05.2017